Cooperação judicial – Vamos trocar o “eu” pelo “nós”

Cooperação judicial – Vamos trocar o “eu” pelo “nós”

                          Sonia Roberts[1]

O Direito Processual, como se sabe, regulamenta os procedimentos jurisdicionais de como pedir, contestar, recorrer, etc.

Porém, o CPC atual alterou um pouco esta perspectiva, na medida em que previu no art. 190 o negócio jurídico processual, o qual possibilita às partes “estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.”

A base para o negócio jurídico processual repousa no art.  do CPC, segundo o qual “Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.”

Portanto, cooperação é o princípio que deve nortear o processo justo, equitativo e efetivo e se direciona a todos os partícipes do processo.

Por tal princípio os advogados necessitam adquirir e compartilhar com seus clientes a perspectiva de que a existência de uma lide não transforma ninguém em inimigo de ninguém. Ao contrário, todos devem buscar a solução do processo o mais breve possível, por meio da ética e da colaboração. A ninguém interessa que o processo se prolongue por anos ou décadas, elevando o nível das tensões e do estresse.

Em tempos de pandemia, um bom exemplo de cooperação dos advogados seria viabilizar as audiências por vídeo conferência. Às vezes a audiência torna-se inviável porque um dos advogados informa que não possui os instrumentos necessários para realizá-la com segurança. Nesta hipótese, não seria o caso de o advogado da parte adversa, se possui todos os recursos, disponibilizar um espaço no seu próprio escritório para o colega e o seu cliente participarem na audiência por vídeo conferência, inclusive repassando os seus conhecimentos sobre a tecnologia? Cooperação é isto e está previsto como princípio no art.  do CPC. De quebra as partes podem exercer a empatia e a solidariedade. Não ganha apenas o processo com a sua duração razoável. Ganham todos.

Mas a cooperação extrapola o âmbito das partes. Foi prevista também a cooperação nacional no âmbito de todo o Poder Judiciário, nos arts. 67 a 69 do CPC. Note-se que não havia previsão similar no CPC/73, cuja ideia era de que cada segmento da justiça permanecesse “no seu quadrado”. O CPC/73 continha uma cooperação incipiente, decorrente das “cartas”, precatória e de ordem.

CPC atual imagina uma cooperação para muito além das Cartas, criando o dever geral de cooperação judicial. Embora trate-se de um conceito aberto, a cooperação passa a ser um “dever” e não uma opção, a fim de buscar um resultado efetivo aos processos. O art. 69 do CPC amplifica as possibilidades de conteúdo da cooperação podendo se dar de diferentes formas, desde que respeitados o contraditório e a ampla defesa. Ou seja, não há uma forma restrita, fechada para a cooperação, como era a das Cartas. Trata-se de um sistema aberto e que pode ser moldado, levando em conta a realidade e a necessidade que se apresentar aos diferentes juízos da Nação.

Assim como as partes podem cooperar ao realizar ajustes processuais (negócio jurídico – art. 190 do CPC), os órgãos judiciários também podem cooperar por concertação, que nada mais é do que também ajuste, acordo (art. 69IV do CPC).

Inúmeros exemplos podem ser dados para a concertação judicial, como uma inspeção judicial em que participem os juízos de todas as Varas do Trabalho para uma avaliação do ambiente de trabalho laboral de uma grande empresa e assim evitar dispêndio de tempo e financeiro de todos os envolvidos no processo. Uma testemunha comum pode ser ouvida por vários juízos, uma única vez em causas comuns, evitando que se desloque várias vezes ao Fórum. Mutirões. Execuções concentradas. Enfim, as possibilidades são enormes.

Tamanha é a importância do tema, que o CNJ está para publicar uma resolução sobre a cooperação judiciária, conforme consta do seu sítio eletrônico.[2]

A cooperação além de racionalizar o sistema, empodera as partes, os juízes, além de humanizar as relações e promover a interação social.

Portanto, a cooperação é a nova ordem revolucionária do processo. É a ordem de trocar o “eu” pelo “nós”.


[1] Advogada no Escritório Ferreira & Roberts, Professora, Juíza do Trabalho aposentada, Mestre em Direito das Relações Sociais.

[2] Disponível em: https://www.cnj.jus.br/proposta-de-resolucao-define-diretrizes-para-cooperacao-judicial/ Acesso em 20/08/2020.

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